domingo, 23 de dezembro de 2012

Duas obras: silêncios em diferentes mídias

Quem me conhece sabe que estou em vias de feitura da monografia. O assunto: silêncio nos quadrinhos. Devido à curiosidade em estudar esse conceito (silêncio) em uma mídia (quadrinhos) que eu tanto curto, constatei a imensidão do silêncio. As leituras e as direções propostas pelo meu orientador (Ricardo Jorge, professor gente boa demais, paizão, que inclusive criou também recentemente um blog) me levaram a recentemente consumir duas histórias sensacionais, embebidas no meu tema de pesquisa.


O Artista é uma produção cinematográfica franco-belga, lançada em 2011 e vencedora de 5 Oscars. O Gosto do Cloro é uma história em quadrinhos experimentalista lançada pelo francês Bastien Vivés em 2008. Tive a oportunidade de ver/ler as duas obras em um mesmo dia. A oportunidade de se encantar duas vezes em menos de 24 horas.


Na época do cinema mudo

O filme vencedor dos Oscar de melhor figurino, melhor trilha sonora, melhor ator, melhor diretor e melhor filme de 2011 mereceu cada indicação e cada estatueta. O Artista conta a história de George Valentin (representado pelo ator francês Jean Dujardin), um famoso ator de cinema mudo no ido ano de 1927. Aliás, dizer que o filme "conta" a história é algo paradoxal, tomando por base que o longa metragem é, assim como os filmes de meados de 1920, mudo.


As produções cinematográficas da época tinham acompanhamento musical ao vivo. Ou seja, enquanto a projeção mostrava a ação dos atores, uma orquestra acompanhava a narrativa (ou seria mostração?) na tela. Sob a belíssima direção de Michel Hazanavicius, cineasta fã da era muda de sua arte, O Artista emociona muito falando pouco. Apenas em momentos específicos do longa metragem o som apresenta o que se passa no mise-en-scéne (espaço referente à cena), o que fortalece o aspecto metalinguístico da história, de um filme mudo sobre cinema mudo.


Além disso, o diretor é muito feliz em suas tomadas e enquadramentos. Literalmente, vemos as barreiras que separam George e Peppy Miller (vivida pela belíssima franco-argentina Bérénice Bejo). Ele, o baluarte do cinema mudo, o velho. Ela, a atriz jovem, face do novíssimo cinema falado. O encontro dos dois é martirizado e celebrado durante toda a película.


O Artista merece ser visto, analisado e aplaudido. É um ótimo filme sobre filmes, e um ótimo filme em si.


Na piscina do clube

No meio impresso, ler O Gosto do Cloro é praticamente mergulhar em uma história cotidiana repleta de beleza. O breve conto quadrinizado pelo francês Bastien Vivés foi originalmente lançado em 2008, quando o autor tinha apenas 22 anos. O Gosto do Cloro conta a história de um jovem que é intimado pelo seu fisioterapeuta a fazer exercícios físicos. É assim que ele acaba se jogando nas águas de uma piscina olímpica de um clube qualquer. A versão brasileira da HQ foi lançada aqui nesse ano de 2012 e conta com uma bela capa e papel da melhor qualidade, graças à finada (infelizmente) editora Barba Negra.


A narrativa de Vivés é repleta de silêncios, como o ato de nadar. O traço é bonito, e me fez quebrar meu próprio paradigma sobre o custo-benefício em quadrinhos. Naturalmente, compro quadrinhos que me prendam durante um tempo relativamente longo, que me entretenha. Em O Gosto do Cloro, minha leitura foi rápida. No entanto, li duas vezes, uma atrás da outra, como uma boa bateria de treino.

Cada passagem de página é uma braçada. Muitas vezes, me senti seguindo o ritmo de respiração do personagem, entre as pequenas ondas da piscina e o seu encontro com uma jovem nadadora. É ela quem ensina ele a melhorar seu estilo de nadar. É ela quem faz ele perder o fôlego e o medo. Com o tempo, ela acaba sendo o motivo de sua procura pela piscina.


O Gosto do Cloro me conquistou quando, sem perceber, minha respiração ficou ofegante junto à do personagem, em um determinado ponto da história. A leitura é rápida e as possibilidades de interpretação da narrativa são as mais diversas, como o próprio silêncio é em relação à linguagem. Afinal, dizer algo é dizer algo ou algumas poucas outras interpretações. Não dizer nada pode ser qualquer coisa. O Gosto do Cloro é uma HQ excelente para quem curte belas narrativas gráficas.

E é assim, entre um silêncio e outro, que meus estudos da monografia continuam. ;D

2 comentários:

  1. "Não dizer nada pode ser qualquer coisa."

    Destaco essa frase que, obviamente, me marca (assim como o fez a HQ). Aproveito pra dizer que, lendo teus textos, me dá muita vontade de escrever mais. :)

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  2. Estão escreva. Escreva muito, escreva sobre tudo. Escrevendo sobre o que se gosta é deixar viva as coisas que presenciamos. =)

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